Realmente o título acima é chocante, mas denota uma realidade ainda não totalmente reconhecida tanto pela população feminina como também por muitos cardiologistas, que ainda pensam que o infarto do miocárdio é uma doença dos homens.
No mundo todo, a doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morte e incapacidade em mulheres, no entanto, em comparação com os homens, as mulheres, especialmente as mulheres mais jovens, são menos propensas a receberem um rastreamento de DCV, ou seja, exames diagnósticos e mesmo atendimento oportuno e invasivo ou terapias de reperfusão. Isso leva a um potencial diagnóstico incorreto e mau prognóstico das pacientes.
Em 1991, um autor chamado Healy, descreveu a síndrome de Yentl, sugerindo disparidade da DCV. Dois estudos recentes exemplificam essas disparidades, o primeiro, em um estudo de vigilância baseado em uma comunidade dos EUA, que abrangeu duas décadas, verificou-se que a proporção de hospitalizações por infarto agudo do miocárdio (IAM) aumentou significativamente em pacientes jovens, principalmente em mulheres. Comparado com os jovens, as mulheres com IAM, tiveram menor probabilidade de serem tratadas adequadamente do que os do sexo masculino.
O segundo, um estudo de coorte prospectivo de 27 países, mostrou que os tratamentos de prevenção secundária, investigações e revascularização coronária foram menos frequentes nas mulheres do que nos homens com doença arterial coronariana. As diferenças foram mais marcantes nos países de baixa e média renda.
O que realmente ocasiona a falta de atenção tanto da mulher como dos atendentes nos serviços de emergência, é que sintomas como indigestão, náuseas, vômitos, dormências e fraqueza, frequentes nas mulheres, podem ser sinais iniciais do infarto, mas nem sempre são valorizados. Além disso, como as mulheres suportam mais as dores do que os homens, por conta das dores menstruais, etc, nem sempre elas valorizam os sintomas e demoram para procurar o atendimento médico.
Tive um caso de uma senhora que teve dor no peito durante a noite, com sudorese e mal-estar e somente após servir o café da manhã para o marido, resolveu procurar o serviço médico. Chegando lá foi imediatamente internada para tratamento invasivo do infarto do miocárdio.
Um estudo publicado em 2018 concluiu que mulheres jovens na fase aguda do infarto do miocárdio, quase sempre são atendidas depois dos homens. São submetidas mais tarde do que os homens ao tratamento invasivo, resultando em uma taxa de mortalidade, em 6 meses, duas vezes maior do que a dos homens.
Já tive a oportunidade de atender uma mulher de 40 anos que vinha sendo tratada de um problema digestivo há mais de 6 meses, mas tendo em vista que o mal-estar que sentia, na região do estômago, estivesse piorando e como tinha lido meu livro “Um coração de mulher” (Editora Canção Nova), resolveu me procurar no consultório. Durante a anamnese, percebi que o mal-estar supostamente estomacal, piorava quando ela fazia algum tipo de esforço e melhorava em repouso e vinha junto com uma sensação de formigamento no braço esquerdo, atribuída a um suposto problema de coluna.
Durante a análise dos fatores de risco cardiovasculares, o único que encontrei foi um HDL-Colesterol, o bom colesterol, muito baixo, que sabemos ser importante nas mulheres. Após exames não invasivos optei por um cateterismo cardíaco que revelou uma lesão grave em uma das coronárias, o que nos levou a indicar uma angioplastia coronária com implante de um stent. A evolução foi ótima e após isso a “azia e o mal-estar estomacal” que sentia desapareceram.
Este caso serve de lição para vocês, queridas, que ainda acham que o infarto do miocárdio é doença de homem. Todas as mulheres, principalmente aquelas que estão perto da menopausa, ou já nessa fase da vida, devem ter, além do controle anual do ginecologista, uma preocupação com a sua saúde cardiovascular, fazendo uma visita anual ao cardiologista.
Cabe também aos profissionais de saúde, principalmente aqueles que trabalham nos serviços de emergência, terem sempre em mente que o principal fator de risco para as doenças cardiovasculares nas mulheres é a falta do conhecimento de que a mulher, jovem ou não, possa estar tendo um infarto do miocárdio.
Fontes:
1 – A. Haider, S. Bengs, J. Luu, et al.Sex and gender in cardiovascular medicine: presentation and outcomes of acute coronary syndrome.Eur Heart J, 41 (13) (2020), pp. 1328-1336.
2 – B. Healy.The Yentl syndrome.N Engl J Med, 325 (4) (1991), pp. 274-276.
3 – J. Stehli, C. Martin, A. Brennan, et al.Sex differences persist in time to presentation,revascularization, andmortality in myocardial infarction treated with percutaneous coronary. Intervention J Am Heart Assoc, 8 (10) (2019), p. e012161.
4 – S. Arora, G.A. Stouffer, A.M. Kucharska-Newton, et al.Twenty year trends and sex differences in young adults hospitalized with acute myocardial infarction: the ARIC community surveillance study Circulation, 139 (8) (2019), pp. 1047-1056.
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