Uma senhora de 80 anos chegou a Unidade de Emergência queixando-se que acordou durante a noite com forte dor no peito, que se irradiava para o braço esquerdo, com falta de ar e chiado no peito. Imediatamente chamou a neta, que dormia a seu lado que ao vê-la pálida e ofegante, levou-a imediatamente ao pronto socorro mais próximo. Após ser atendida pela equipe de plantão, veio a hipótese diagnóstica: Síndrome Coronariana Aguda. Familiares preocupados pediram-me que assumisse o caso, imediatamente dirigi-me ao hospital.
Quando cheguei a UTI, onde estava internada, ao ver os exames iniciais, vi que existia uma desproporção entre o seu quadro clínico e os achados tanto laboratoriais como eletro e ecocardiográficos, pois embora os sintomas fossem sugestivos de infarto do miocárdio, os exames mostravam pequenas alterações e o eletrocardiograma era praticamente normal.
O quadro de falência miocárdica foi se estabilizando, as custas de medicações que promoviam aumento da pressão arterial, que estava muito baixa e que melhoravam a circulação, ou seja, ela começou a respirar melhor, as extremidades, antes frias, já estavam quentes. Ela estava superando o quadro inicial, extremamente grave.
No dia subsequente, como os exames ainda estavam com resultados pouco expressivos, optei por um cateterismo cardíaco, procedimento obrigatório nas síndromes coronarianas agudas. Ao ver as condições do seu coração, na sala de hemodinâmica, vi que estávamos na presença, não de um infarto do miocárdio, mas sim de uma situação descrita em 1990 por um pesquisador japonês, Sato, a síndrome de Takotsubo (ST), também conhecida como Síndrome do Coração Partido. (1)
Essa síndrome, reconhecida como cardiopatia aguda induzia pelo estresse, tem uma apresentação clínica dramática, imitando infarto do miocárdio e a marca registrada dessa condição é a sua associação com um grande estresse emocional ou físico que pode precipitar o seu início. O seu diagnóstico é feito através do cateterismo cardíaco onde observamos artérias coronárias desobstruídas, ao lado de grau importante de mau funcionamento do coração (disfunção do ventrículo esquerdo), que no exame mostra uma imagem característica que deu o nome a essa síndrome: um coração em forma de um takotsubo, que é um cesto usado no Japão, para caçar polvos (2). O que difere do infarto do miocárdio é o fato dessa cardiopatia ser temporária, ou seja, o coração pode recuperar totalmente suas funções após 2 a 3 semanas, sem deixar sequelas.
Ainda não se sabe com certeza a fisiopatologia dessa síndrome, embora existam hipóteses que admitem uma relação causal com o excessivo nível de adrenalina descarregado pelas supra renais por ocasião de um estresse intenso. (3)
Os gatilhos para ocorrer essa síndrome podem ser psicológicos como estresse pós-traumático, perda de um ente querido, depressão, perdas econômicas, divórcio, separação etc. e/ou físicos, como atividade física intensa e exagerada, intoxicação por monóxido de carbono, hipotermia, uso de cocaína, álcool em excesso, retirada de opiáceos, e tantos outros. (4) Estudos recentes demonstraram a presença da ST em pacientes em tratamento da COVID-19. (5)
Estima-se que a ST esteja presente em 1-3% de pacientes com diagnóstico de IAM, estando em 5-6% de mulheres com suspeita desse quadro. É mais frequente em mulheres, com idade média de 60-70 anos, sendo que mulheres com mais de 55 anos tem cinco vezes mais risco de desenvolver a ST e um risco 10 vezes maior do que homens. (4)
A ST é originalmente caracterizada por ser benigna, mas estudos recentes tem demonstrado que ela tem morbidade e mortalidade comparável ao infarto do miocárdio, por conta das complicações que ocorrem durante a sua evolução e podem afetar mulheres com gatilho emocional independente de serem menopausadas. (4)
Fontes:
1. Dawson DK. Acute stress-induced (takotsubo) cardiomyopathy. Heart. 2018;104(2):96-102.
2. Aparisi A, Uribarri A. Takotsubo syndrome. Med Clin (Barc). 2020.
3. Ghadri J-R, Wittstein IS, Prasad A, Sharkey S, Dote K, Akashi YJ, et al. International expert consensus document on Takotsubo syndrome (part II): diagnostic workup, outcome, and management. European Heart Journal. 2018;39(22):2047-62.
4. Ghadri J-R, Wittstein IS, Prasad A, Sharkey S, Dote K, Akashi YJ, et al. International Expert Consensus Document on Takotsubo Syndrome (Part I): Clinical Characteristics, Diagnostic Criteria, and Pathophysiology. European Heart Journal. 2018;39(22):2032-46.
5. Tsao CW, Strom JB, Chang JD, Manning WJ. COVID-19-Associated Stress (Takotsubo) Cardiomyopathy. Circ Cardiovasc Imaging. 2020;13(7):e011222.